domingo, 5 de dezembro de 2010

A CORTESÃ



Já não sei quanto tempo faz que estou aqui contemplando o mar, sei que já não sou mais a mesma mulher, e uma única pessoa levara consigo todo o brilho da minha esperança, busco através da janela da minha memória a noite que brilhei em seus braços ao som da valsa, onde cada nota musical eram compassos do meu coração que nas mãos do destino me levaram a conhecer os espinhos de uma rosa chamada vida, espinhos estes que estão ainda a ferir minha carne, pois minha alma se esvaiu com os espaços deixados por esse amor.
Dançar sempre fez parte de mim, porem para uma sociedade da época, uma mulher que dançava não era muito bem vista, ainda mais se ela fosse pobre e já não tivesse ninguém para chamar de família. Abandonei tudo, costumes, sociedade, enfrentei o mundo para poder ouvir a musica e ao som dela valsar pelos salões da noite e com isso me tornar a cortesã mais famosa da cidade.
Nas madrugadas tristes o em que as estrelas e a lua se tornavam minhas únicas confidentes e companheiras, me sentia feliz podendo rodopiar pelo salão iluminado preenchidos por notas tristes e constantes, sendo conduzida por homens sem nomes ou rostos, ganhando beijos e carinhos falsos de onde viriam o sustento para a próxima madrugada.
Por muitas vezes me vesti de flores e com uma cesta repleta de rosas, caminhava madrugada a dentro pela areia da praia presenteando aos amantes e seus momentos roubados, que escondidos saboreavam o prazer da noite, enquanto dançava com um parceiro imaginário chamado mar e rodopiava ao som das ondas, a sinfonia eterna feita pelo Criador. Meus cabelos ao vento era o convite para que notas de uma melodia triste me embalassem numa dança, e logo apareceria um homem qualquer que me levaria a valsar em seu leito.
E noite após noite fui me tornando conhecida, odiada pelas mulheres e amada pelos homens, fui amante, confidente do mais humilde ao mais poderoso, fiz papel de esposa quando elas próprias não souberam fazer e com isso me sentia amada com os presentes que ganhava, aprendi a viver assim, ao som de sorrisos tristes...frases não ditas...amores não vividos. Meu coração era como uma sinfonia não acabada e somente meus pés me davam a alegria ao dançar, mas o vazio da alma ninguém e nada preenchia.
Uma noite quando a madrugada já estava alta, eu dançava com um sorriso escondendo a tristeza e flertando com os homens do salão, fui tomada por braços diferentes, meu coração começou a palpitar uma musica descompassada e conheci na imensidão daquele olhar o significado do amor. Não mais ouvia os risos, não era mais a cortesã das valsas, era uma mulher com o sonho de uma jovem apresentada ao baile pela primeira vez a valsar com aquele que levaria seu coração. Valsamos a noite toda, não queria me libertar dos seus braços, rodopiávamos como se flutuássemos, nunca havia dançado assim, seus olhos a penetrar minha alma me faziam esquecer por um instante quem eu era, dançava como uma criança com o mais puro sorriso e singeleza do coração, e não havia ninguém ao nosso redor... não havia ninguém no mundo... e somente o som dos bandolins era o que nos guiava.
Amei, e o fiz de forma incondicional pura e sem pedir nada em troca, meu corpo em uma harmonia constante se fez de sinfonia para ser regida por um magnifico maestro e me tornei musica em suas mãos, ele me fez promessas de amor eterno, voltando varias noites depois, tomou posse de mim...do meu ser...da minha alma...do meu corpo...do meu amor. E quando me viu completamente a mercê de seu amor, ele se foi e não mais voltou.
E depois disso dancei e rodopiei no salão, mesmo com lagrimas nos olhos ao som das cordas tristes que tiravam notas de amores perdidos, até que a madrugada desolada e vazia se findava com o começo da aurora. E no devaneio de novamente encontra-lo olhava pela janela pela manha e ao cair da noite na esperança de vê-lo chegar.
Mas hoje a noite ele voltou...voltou em forma de noticia de um jornal qualquer... ele havia se casado e seu sorriso feliz e seus olhos brilhantes estampavam a primeira pagina ao lado da esposa virginal ainda vestida com o véu de sua pudica reputação.
Uma dor alucinante cravou-me o peito, senti o coração comprimido e depois retalhado em vários pedaços que seriam impossível junta-los todos, não havia ritmo... não havia vida... não restava nada...
Não havia amor....
Só o silencio...
Calaram-se os sons de dentro de mim, já não ouvia mais a musica da esperança, ao entrar no salão vi todos os olhares se voltando para minha face triste, pedi então para que a valsa fosse tocada e de forma a libertar a alma, rodopiei e meu coração em saltos me dava a ultima nota e valsando fui saindo do salão, enquanto outros casais entravam no ritmo da musica.
E foi dessa forma que me encontro aqui, de frente para o mar iluminado pela lua que por tantas vezes foi a amiga mais intima e ouviu meus lamentos, começo a rodopiar e as ondas do mar molham meus pés, danço enquanto o mar se reúne ao meu movimento e cada vez mais forte banha meu corpo com sua melodia...melodia das ondas... a água salgada vai misturando-se com as lagrimas, ao fundo ouço os bandolins e suas cordas tristes dedilhando notas de promessas de amor eterno, nesse momento ouço a valsa tocada pelo mar que como mortalha me cobre...
E depois tudo fica mudo...

Nenhum comentário:

Postar um comentário